Alguns Pensamentos...

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segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Sintonizem



A voz de um colectivo cultural sem eira nem beira, fora-da-lei e clandestino está na blogosfera, contando com variada colaboração bloguista. Podem visitá-la aqui.

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Imigrantes de longa duração

Os acontecimentos recentes em França que envolveram perturbações da ordem pública deixaram um alerta para uma reflexão mais profunda relativa ao problema premente da imigração que, longe de ser um flagelo, é uma necessidade dos países em termos de mão de obra e de rejuvenescimento da população. Tanto mais que é sabido que os europeus têm cada vez menos filhos e que os activos actuais não são suficientes para assegurar a sustentabilidade dos sistemas de segurança social.
Neste panorama, Portugal não é excepção. Para dar resposta a preocupações sociais e de integração de cidadãos de países terceiros, sobretudo daqueles que residem há vários anos em território da União Europeia e, logo, também no nosso país, foi adoptada uma directiva comunitária, relativamente desconhecida dos destinatários, cujo prazo de transposição terminou no dia 23 de Janeiro de 2006, referente ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração.
No essencial, esta directiva vai permitir que os imigrante que vivem, designadamente em Portugal, há cinco anos ou mais, tenham um conjunto de direitos aproximados aos dos nacionais, ou seja, nesta circunstância, e para obter aquele estatuto, o imigrante deve provar que dispõe de recursos suficientes, de um seguro de doença para evitar sobrecarregar o Estado de acolhimento, e ainda que procedeu a quotizações para o regime de pensões e que cumpriu as suas obrigações fiscais. Uma vez obtido o estatuto de residente de longa duração, o imigrante terá acesso, pelo menos, às prestações sociais de base que abrangem o rendimento mínimo garantido, à assistência parental, na gravidez, em caso de doença, e aos cuidados de longo prazo, bem como o acesso ao sistema educativo dos filhos menores, em condições análogas às dos nacionais.
O imigrante legalizado como residente de longa duração, poderá depois circular livremente para outro Estado membro da União Europeia, e aí residir e trabalhar, com protecção reforçada contra a expulsão, desde que não sobrevenham razões de ordem pública ou de segurança pública.
No fundo, são formas inteligentes de integração na sociedade da imigração contributiva e de controlo dos fluxos migratórios, a fim de permitir conhecer a situação real dos países e de lutar contra o crime organizado que explora a debilidade económica e social dos mais desfavorecidos.
Permite-se doravante com esta directiva que, em países como Portugal, ucranianos, russos, moldavos, cabo-verdianos, ou tantas outras nacionalidades, uma vez enraizados pela permanência, gozem de um conjunto de direitos uniformes tão próximo possível dos que gozam os cidadãos da União.

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

A importância da pluralidade

Michelle Bachelet é a nova Presidente do Chile, a primeira mulher no seu país a ascender a tal cargo, mas não na América Latina.
Antes dela, outras três foram chefes de Estado por via eleitoral: Violeta Chamorro na Nicarágua (1990-1996), Mireya Moscoso no Panamá (1999-2004) e Janet Jagan, na Guiana (1997-1999). E outras três o foram também, se bem que não pela força do voto: Isabel Peron, na Argentina (1974-76), depois da morte do marido; Lídia Gueiler, na Bolívia, nomeada pelo Congresso por um período interino (1980) e ainda Rosalia Arteaga, no Equador, por escassos seis dias (Fevereiro de 1997), depois do derrube de Bucaram Ortiz, de quem era vice-presidente. Em Abril próximo, uma outra mulher apresentar-se-á às urnas, no Peru, Lourdes Flores.
A eleição de Bachelet não é, portanto, uma questão de excepção. O que ela tem diferente das que a antecederam no cargo é que Bachelet é socialista, militante do mesmo partido a que pertencia Salvador Allende - e além disso ateia, divorciada, com filhos de pais diferentes e não casada, com um passado de torturada e exilada, tudo «pecados capitais», como ela própria disse, o que não a impediu de ser eleita, por uma ampla maioria de votos (53,5%), num país que era considerado um dos mais conservadores da América Latina.
Depois de Evo Morales, o índio boliviano eleito no final, Bachelet inaugura as inúmeras eleições presidenciais (13) que se prevêem para este ano na região.
A vitória aponta para a esquerda, mas as tonalidades são muitas. Morales e Bachelet são duas delas. Se esta se pode reivindicar de uma esquerda de matriz europeia, mesmo social-democrata (e a Internacional Socialista investiu a fundo na sua eleição), Morales é o oposto. Índio, ex-dirigente sindical, representa antes de mais os pobres e oprimidos, os «descamisados», que reivindica a herança de Bolivar, o libertador da América Latina. Há dias, Bastenier no «El Pais» chamava-lhe a «esquerda pré - colombiana» e interrogava-se sobre se ele anunciaria a «vingança etnicista 500 anos depois».
Os seus aliados Hugo Chavez (Venezuela) e Fidel Castro, em Cuba, pouco têm a ver com ele sob esse ponto de vista. O primeiro faz parte de outra cultura e a sua aproximação ao poder fez-se primeiro pela via do golpe militar. O patriarca Fidel é um revolucionário de origem marxista. Além disso, ainda há o brasileiro Lula e o uruguaio Vasquez Tabaré, hoje mais próximos da social-democracia. E ainda Kirchner, da Argentina, um caso de populismo que vai buscar raízes no peronismo. Como sempre, a esquerda tem muitas nuances.

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Participação política das mulheres

Há, de facto, uma propensão global de aumento da participação política das mulheres, da Libéria à Finlândia. Mas esta tendência não se verifica em alguns países. Os EUA são um deles. Para além da percentagem baixíssima de mulheres no Congresso, esta sondagem mostra que quase um terço dos norte-americanos não apoiariam uma presidente mulher, fosse de que partido fosse.

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Anúncio no jornal

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

De décima em décima

Na sexta-feira, um banco nacional estimou que o PIB de 2006 vai apenas crescer 0,7 %, contra os 0,8 % do Banco de Portugal, já revistos, e os mais de 1 % anunciados pelo Governo.
Ainda só estamos em Fevereiro e o ritmo é desanimador. Dias antes também o governador do Banco de Portugal veio alertar para o facto do país ainda ter de levar dois a três anos para chegar à média do crescimento europeu, o que significa que vamos estar quase uma década em divergência com os nossos parceiros.
Se nem tudo andar bem, lá mais para a Primavera, os 0,7 % podem ser 0,5, e de décima em décima o nosso PIB vai-se esfumando...

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Uma arena permanente de conflitos

A educação torna-se, de forma cíclica, o assunto do dia e o campo onde os discursos politicamente correctos, populistas e demagógicos se entrincheiram para mais uma vez apresentarem à opinião pública, mais do que argumentos, fórmulas mágicas para alcançar o sucesso. A estratégia está longe de ser nova e, a avaliar pelos resultados que temos, deixa muito a desejar em termos de eficácia, pois continuamos à roda com o insucesso escolar e educativo mais elevado da Europa. Mas periodicamente lá vem uma investida, seja a propósito de algum relatório internacional, de uma qualquer iniciativa menos entorpecedora do poder executivo ou apenas por causa de uma greve dos professores mais visível do que as outras.
Os números andam por aí à solta, para serem agarrados por quem deles precisa, conforme as ocasiões, e justificam o alarme. Recentemente o Diário de Notícias titulava que em 2001, 25% dos jovens dos 15 aos 24 anos não completaram o Ensino Básico e 44% não completaram o Secundário, sendo que 15 a 17 mil alunos todos os anos abandonam o sistema educativo sem a escolaridade obrigatória.
Só que os números são paradoxais, porque Portugal também é dos países em que existem mais licenciados sem emprego (já andam pelos 60.000, constituindo 15% dos desempregados) e cursos superiores sem alunos, pondo em risco o posto de trabalho de umas centenas de docentes do Ensino Superior. Isto significa que temos um sistema educativo completamente distorcido e que foi sendo modelado por conveniências e agendas políticas (em especial no caso da explosão do Superior privado de final dos anos 80 e inícios de 90), mais do que por qualquer tipo de lógica ou de adequação às necessidades internas.
Afirmou-se que a educação é um direito, o que é verdade e muito legítimo, mas ninguém se lembrou de acrescentar que não temos um país preparado para absorver uma mão de obra qualificada, em particular quando é qualificada em áreas que são baratas de criar em termos de Ensino Superior, mas sem canais de escoamento no mercado de trabalho.
Somos, a um tempo, um país com défice educativo e excesso de qualificações para o mercado de trabalho que temos. Porquê ? Porque o problema está, não na Escola, mas no modelo de sociedade desenvolvida e periférica que continuamos a ter, vivendo de aparências e miséria ou melhor dizendo, de miseráveis aparências.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

World Press Photo



Uma vez mais uma foto - magnífica na sua beleza e força - obtida em África venceu o World Press Photo de 2005. Para o júri, esta foto consegue congregar, simultaneamente, "Beleza, horror e desespero".
O galardoado, o canadiano Finbarr O’Reilly, obteve esta foto no Níger, atribuindo-lhe o título de "Mãe e filho num centro de emergência alimentar em Tahoua, Níger", tendo sido captada em Agosto de 2005, para a agência Reuters.
Não está aqui em causa somente a beleza e profundidade da fotografia. É também necessário perceber porque, e até quando, África continuará a galardoar fotógrafos pelas piores razões...

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

O património edificado e a autenticidade da memória

Numa época em que as constantes transformações da sociedade ameaçam o desaparecimento das referências que garantem a entidade cultural de uma civilização, suscitam-se perplexidades e dúvidas quanto à forma de actuar sobre a nossa herança cultural. Se analisarmos a essência da nossa existência é, sem dúvida, a memória que prolonga irreversivelmente o passado no presente.
A existência do património, por força da sua própria essência matérica e funcional, reflecte o espírito da criação do autor, a partir do momento em que inicia o seu percurso. O acto de intervir em defesa desse mesmo património, implica um somatório de inúmeros esforços para reponder às exigências que o mundo moderno nos impõe, e, sobretudo, não pode degenerar numa evolução que, partindo de uma ideia humanista, acabe por redundar em fundamentalismo, mesmo com base na intenção de preservar cada identidade cultural. Em todo o caso, e em virtude desta mudança, as reflexões que vêm sendo produzidas, parecem consolidar o princípio de que a salvaguarda de valores patrimoniais a uma escala planetária assenta no reconhecimento do relativismo cultural.
Com a elaboração da Carta de Nara, adivinha-se a vontade de organizar uma escala de verificação de atributos para reflectir a propósito das finalidades de autenticidade do património construído. No entanto, a aplicabilidade de um conjunto de critérios técnicos e organizativos não deveriam deixar de ser confrontados com os testemunhos actuais das histórias das cidades que são marcados por sucessivas (re)interpretações.
A reabilitação do património deve concentrar-se nos elementos do presente, não perdendo a postura ajustada do dever de salvaguardar a memória comum. Na verdade, da interacção entre responsabilidade e liberdade resulta a ajustada actuação.

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Rembrandt



Celebraram-se 400 anos sobre o seu nascimento. De todas as facetas da sua obra, a que mais aprecio é a longa colecção de auto-retratos, o sistemático e despretensioso escrutínio que faz de si próprio. Longe da fama, da glória e do retrato da beleza. Uma curiosidade, metamorfose, busca e expressão única na história da pintura, ainda que precedida por Dürer e, de certa forma, expandida por Van Gogh. O auto-retrato mudou muito desde então e a representação de si é central na arte do séc. XX.
Olhar para os auto-retratos de Rembrandt é descobrir a conturbada história da sua vida, a sua perplexidade constante, embora seja também perceber que não se tratou de acaso algum, nem sequer de um acto pragmático, resultante da disponibilidade imediata do modelo.
O auto-retrato era um projecto artístico para Rembrandt, a representação da própria humanidade. Neste auto-retrato, poucos anos antes da sua morte, a imbricação da arte e da carne aparece num exacto recreio de luz, sem dúvida estudado de modo a que nenhum traço do tempo fosse subestimado. Não se incomoda com ser visto, oferece esse olhar com tranquilidade e sem qualquer pose.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Um pensamento a descobrir



Agostinho da Silva (1906 - 1994)

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Elementos desviantes

O Hamas governa a Palestina, o Irão decidiu recomeçar o enriquecimento industrial de urânio, digam o que disserem a ONU e a Europa. No Iraque, os E.U.A estão numa posição desesperada. No Afeganistão, os senhores da guerra mandam como sempre fora de Cabul, os Taliban voltaram e a presença da NATO não se inscreve.
No entanto, parece que o grande problema do Ocidente no Islão é o caso das caricaturas. A boa propaganda, a histeria muçulmana tem conseguido esconder o essencial.
Enquanto se discute a liberdade de expressão, não se discute o avanço táctico do islamismo político, nem a inquietante impossibilidade de lhe responder.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

As caricaturas de Maomé



Muito se tem discutido sobre este assunto na blogosfera, local onde foram feitas considerações bastante interessantes, principalmente aqui.
O tema já é velho mas, numa sociedade globalizada como é a nossa actualmente, o problema desencadeado pelas caricaturas de Maomé (que incendiaram o mundo islâmico - qualquer coisa como 1300 milhões de pessoas!) faz-nos recordar que há certos temas que devem ser objecto de cuidados acrescidos, especialmente quando se pretende usá-los para fazer humor.
Aliás, foi precisamente essa a opinião manifestada há dias na TSF quando, António Feio e Ricardo Araújo Pereira responderam à questão «Pode fazer-se humor com tudo?». A resposta veio prontamente: «Com a religião é preciso cuidado...». Esse cuidado advém da religião mexer com o «sagrado», terreno altamente melindroso em que o direito de fazer humor pode facilmente esbarrar com o direito que os crentes têm de não ser agredidos nos seus sentimentos mais profundos.
Além disso, tudo dependerá, também, da assistência, pois uma piada que, contada à mesa do café, faz rir três pessoas, pode, se publicada num órgão de informação de grande audiência, revelar-se explosiva.
Há uns anos, e devido ao excesso de alumínio na água, vários diabéticos morreram num centro de hemodiálise em Évora, facto esse que inspirou Carlos Borrego, à altura Ministro do Ambiente, a contar em público uma anedota segundo a qual se podia obter alumínio reciclando os mortos.
Foi demitido, mas é bem possível que tenha pensado (como agora oiço dizer em relação ao caso que está a dividir o mundo) que apenas estava a exercer o seu sagrado direito de liberdade de expressão de pensamento. Imagino que tenha sido também o que pensavam os adolescentes que há dias, em Lagos, andavam a fazer graffitis em residências, lojas e monumentos... até serem detidos pela PSP.
Podemos perguntar: Que mal, na prática, essas caricaturas fizeram ao Islão? Como é que, por todo o Islão, "a rua" se indigna com uma blasfémia que não conhece?
Talvez se perceba melhor esta problemática quando a Europa e os E.U.A deixarem de coçar a sua consciência (mea culpa).

terça-feira, fevereiro 07, 2006

O negócio entre a Sonae e a PT

Face à diferença enorme entre a grande Sonae e a gigante Portugal Telecom, fica a curiosidade de saber quem vai realmente financiar a OPA (Oferta Pública de Aquisição) anunciada na noite de segunda-feira. Oferecer um prémio de 16% sobre o fecho de bolsa na segunda-feira e conseguir que uma empresa valorize até ultrapassar os dez mil milhões de euros não é algo ao alcance de muitos.
E só aparentemente será só a Sonae a comprar a PT. À imagem da Galp e no apoio a Amorim, os espanhóis do Santander estão envolvidos - a ver até que grau - no negócio. Mas se de um lado temos os espanhóis da Telefónica como accionistas de referência da PT, do outro lado temos a France Telecom como parceira de longa data da Sonae. Além disso, temos uma PT com estatutos blindados e direitos de votos condicionados.
O próprio Governo terá de pronunciar-se. E como é natural uma das consequências inerentes da OPA deverá ser a eliminação da «golden share», a qual confere ao Estado direitos especiais sobre a gestão da empresa. E com esta medida coloca-se Bruxelas no enredo.
Mas que ninguém duvide: Belmiro de Azevedo animou o mercado. Tocou num corpo onde, mesmo com muito capital disperso e "não identificado", estão parte considerável dos principais peões financeiros, como o BES e a própria CGD.
Revelando-se ou não os interessados directos ou invisíveis na operação, com ou sem contra-OPA, temos OPA para durar alguns meses.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

As vítimas da ocupação indonésia

Aí estão os primeiros números recolhidos, oficialmente, pela Comissão de Acolhimento Verdade e Reconciliação (CAVR) timorense, referentes à permanência da Indonésia em Timor-Lorosae.
De acordo com os dados oficiais – colocados, à revelia da CAVR e do Governo timorense, na net pelo International Center for Transitional Justice (ICTJ) – a ocupação indonésia resultou em qualquer coisa como 102.800 vítimas.
De notar que não foram só os indonésios que contribuiram para este elevado número de vítimas mas também cerca de 10% de pró-independentistas.
Mas a CAVR assume atitudes distintas, afirmando que, ao contrário dos indonésios, os libertadores assumiram os seus actos e colocaram-se integralmente à disposição da Comissão.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Notas sobre a burocracia...

Actualmente não se imagina um Estado ou uma administração sem burocracia. Esta constitui um dos melhores meios de adiamento e paralisação de qualquer acção, assemelhando-se a uma espécie de solução de compromisso: por um lado, a burocracia adia os processos que procuram solução num tempo que pode alargar-se tanto que as datas - limite caducam e a acção jamais terá lugar, por outro lado, enquanto dura o processo, perpetuado por gestos burocráticos, tem-se a sensação (utópica) de se poder chegar a uma solução final. Daí que as chamadas listas de espera nos dêem esta sensação de um compromisso legítimo e de uma réstia de esperança que se pode prolongar por muitos e bons anos. Na verdade, muitos foram aqueles que tiveram de esperar anos ou meses para serem operados ou os que viram as suas vidas transformadas pelas demoras da administração, dos serviços do Estado em múltiplos domínios.
Mas, apesar do funcionamento da nossa burocracia não ser o ideal, ela faz parte da nossa vivência, parecendo surgir como uma via que permite simultaneamente exprimir indirectamente a violência conflitual, impedindo - a de se exercer literalmente ou fisicamente (somos um povo pacífico e tolerante), representando uma espécie de sintoma social da recusa do conflito e da acção.
Esta inércia parece exigir , como num ciclo vicioso, uma compensação pela máquina burocrática, em que a burocracia é associada ao frenesim de tudo regimentar sob algumas frases justificativas do tipo «só assim se mudará o país», classificado de «república das bananas», onde tudo é permitido. Daí a necessidade maníaca de registar o menor desvio, a mínima falta em vários sectores da nossa sociedade, pensando que é assim que se avança rumo a uma cidadania perfeita.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

A supremacia

Neste início de século, as características geopolíticas mudaram o mundo. Os E.U.A exercem uma supremacia nos domínios tradicionais do poder: político, económico, militar, tecnológico e cultural e o mundo parece encontrar-se dominado por uma única hiperpotência que exibiu, por exemplo, no Afeganistão a sua hegemonia de três formas: arrasando à força de bombas, em poucas semanas, o regime talibã e a maioria das redes armadas da Al - Qaeda que o sustentavam; pondo a funcionar uma grande coligação diplomática de apoio à sua acção de represálias, com o apoio, em particular, da Rússia e da China, limitando ao mínimo qualquer referência à ONU; mantendo à distância aliados diligentes, mas considerados embaraçosos, como a França, a Alemanha, a Espanha, a Itália, o Canadá ou mesmo o Japão.
Nesta nova era, a ostentação de poderio militar e diplomático é enganadora pois apesar da sua imensa superioridade, os E.U.A não pretenderam, por exemplo, ocupar e conquistar militarmente o Afeganistão - como tentaram fazê-lo a Inglaterra no século XIX ou a União Soviética no século XX - ainda que isso não representasse tecnicamente nenhuma dificuldade. A supremacia militar já não se traduz, como anteriormente, em conquistas territoriais porque estas tornam-se, a longo prazo, politicamente ingovernáveis, militarmente perigosas, financeiramente dispendiosas e mediaticamente desastrosas.
O afrontamento resultava num processo reaccionário bastante incoveniente, tendo a supremacia de "habituar-se" a emergir e a insinuar-se de uma outra forma, mais naturalmente, através do trabalho lento e consistente nas mentalidades de um povo.

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Manter a orquestra afinada

Alan Greenspan, apelidado de Maestro, passou oficialmente à reforma, pelo menos no que diz respeito aos comandos da Reserva Federal norte-americana.
Ao longo de 18 anos, resistiu às vicissitudes de quatro presidentes e várias políticas económicas e, graças à sua tenacidade empreendedora, foi levando a "água até ao seu moinho", sendo a sua capacidade e talento reconhecidos por todos os quadrantes políticos um pouco por todo o mundo, não apenas nos EUA.
Ben Bernanke é o homem que lhe sucede a partir de hoje e não vai ter uma vida fácil, enfrentando a política delicada da maior economia mundial, ainda por cima em regime de desaceleração, segundo as contas do último trimestre e com os mais pessimistas a assumir para 2006 um cenário de recessão.
Provavelmente vai ter de lidar de igual modo com um maior controlo da moeda e o drama dos défices - o orçamental e o externo -, face a uma administração Bush que mexe no nível dos impostos conforme lhe é mais politicamente favorável.
Para já, talvez a primeira grande tarefa de Bernanke seja conquistar a confiança dos investidores, empresários e políticos e tal só será possível com um controlo da inflação, algo fundamental para a credibilidade da instituição que lidera.
Mas, sendo uma escolha de George W. Bush, conseguirá impor-se? Será capaz de manter o estatuto de independência e sobriedade que Greenspan prolongou ao longo das várias administrações da Casa Branca?
A maior economia mundial sempre dependeu do dinamismo que ela mesma recriava. Tornar-se previsível pode ser meio caminho andado para a Reserva Federal americana parecer o parceiro europeu BCE. Vamos ver se Bernanke não se revela um duro de ouvido, sem capacidade para orientar a orquestra.