Alguns Pensamentos...

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sexta-feira, dezembro 29, 2006

O atraso económico português

Num artigo recentemente publicado no Diário de Notícias, Luciano Amaral regressou à tormentosa questão do atraso económico português. Embora muito já tenha sido escrito sobre o assunto (refiro-me particularmente aos trabalhos de Jaime Reis), é natural que se volte sempre a ele como a um incontornável locus criminis, onde a nossa auto-estima colectiva é sujeita a severas ameaças e a eterna dúvida sobre a viabilidade do Estado-nação português se renova em permanência.
De facto, não parece excessivamente difícil explicar porque é que o desempenho económico da Irlanda no último quarto de século é tão evidentemente superior ao das outras zonas com atrasos estruturais da periferia da Europa Ocidental, Portugal incluído, nem porque é que nos anos 60, numa conjuntura internacional favorável, sob o efeito conjugado da adesão à EFTA e da guerra colonial, e, sobretudo, partindo de um muito baixo nível de desenvolvimento, em termos absolutos, foi possível que o nosso país crescesse de forma a encurtar o fosso que o separava do resto da Europa.
O que me escapa é o sentido das considerações subsequentes de Luciano Amaral: que o regime saído do 25 de Abril de 1974, não estando à altura das promessas de desenvolvimento económico que foram feitas ao país, permite que a democracia seja confundida com o empobrecimento relativo do país. Parece-me evidente que os diferentes desempenhos da economia portuguesa, desde o início dos anos 60 até à crise do início dos anos 70, por um lado, e nas três décadas de democracia, por outro, não podem ser vistos simplisticamente como um puro reflexo dos méritos relativos das políticas económicas dos regimes em que ocorreram (nem, para esse efeito, os anos pós 25 de Abril podem ser vistos como um todo único e coerente). Mas mais do que isso, julgo despropositada a forma como Luciano Amaral relaciona aqui a natureza do regime político e o seu desempenho económico. Onde é que quer chegar? Não se percebe, mas em todo o caso uma coisa é clara: se Luciano Amaral entende que o desempenho económico é o principal factor de legitimação de um regime político, então devia emigrar para a China...

sábado, dezembro 23, 2006

Sou português

O meu bilhete de identidade, e o facto de ir agora fazer as compras de natal, não deixam dúvidas: sou, de facto, português.
Passei ainda há pouco pelo Oeiras Parque e senti-me no Festival Sudoeste, tal era a multidão. É pavoroso. Mete medo. E mete ainda mais saber que sou um deles. Também eu só agora vou escolher o que podia ter escolhido ha 364 dias atrás. Filas e filas de trânsito, com promessas de "para o ano não volto a cair nesta". E o "para o ano",esse, nunca mais chega.
Vou então fazer as compras, que só hoje me convenci.
Agora saio, rumo às tantas outras pessoas que se arrastam, ou são arrastadas, pelas montras que mostram ansiedades.
E para o ano, não volto a cair nesta...

quarta-feira, dezembro 13, 2006

O zelo dos ditadores

Lembram-se de um tal Mengistu Mariam que chegou a se intitular “Imperador Vermelho” e que governou a Etiópia entre 1977 e 1991 com o apoio da defunta União Soviética que, por acaso e até essa data, apoiava a Somália? De notar que Mariam esteve entre os militares que derrubaram o imperador Hailé Selassié.
Sabiam que quando Mariam foi deposto, fugiu para os braços de um tal Robert Mugabe, o eternizado presidente do Zimbabwé?
Acabei de ler que o tal senhor, ao fim de 12 anos de férias no Zimbabwé, foi considerado culpado pelo Supremo Tribunal Federal da Etiópia pela prática de genocídio, detenção ilegal, homicídio e confiscação de propriedades. E com ele outros 34 réus, a maioria, à revelia. Mas como ele continua nos braços do seu amigo Mugabe, o Tribunal vai ter de proferir a condenação à revelia porque o Zimbabwé, na pessoa do seu ilustre Presidente, tem recusado os pedidos de extradição do ex-ditador. Pois é, os ditadores zelam uns pelos outros...

terça-feira, dezembro 05, 2006

A saúde do euro

A moeda continental europeia disparou de novo no mercado cambial assumindo sozinha os custos da segura desvalorização do dolar, enquanto as moedas asiáticas se alinham pela moeda americana para garantir os benefícios das exportações.
Para nós europeus consumidores, aforradores, pensionistas e compradores de petróleo até é uma boa notícia embora para os produtores de artigos destinados ao mercado mundial nem por isso. Mas uma coisa é certa: andamos todos a apertar o cinto para consolidar uma moeda que sangra em saúde...

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Conversão e profecia cívica

Ultimamente, os discursos que dissecam a dada como provada crise de valores na sociedade portuguesa têm aparecido em todas as tribunas. Não há quem resista a propor mais uma perspectiva sobre a questão. Estamos em plena crise económica. Os números de anos recentes mostram o fracasso relativo do nosso esforço de desenvolvimento para alcançar as médias europeias, sobretudo em comparação com os resultados de outros países até há pouco em situação semelhante à nossa. E a isto ainda se veio juntar uma sucessão de escândalos públicos onde tudo parece concorrer para criar um sentimento de insucesso e de desgraça. Vive-se um clima depressivo de pouca confiança nas capacidades de Portugal e dos portugueses para saírem daquilo que parece ser um plano inclinado de degradação e de decadência.
Cada vez é mais claro que o salto qualitativo que desejamos não pode ser alcançado de modo fácil por meio de dinheiro, sempre mais dinheiro, para investimentos, subsídios ou modernizações técnicas. Nem se calhar é só através do instrumento legal das reformas económicas, sociais e políticas, mais ou menos estruturais, por mais que tudo isto seja indispensável e urgente, e cada uma dessas coisas continua a ser indispensável e urgente. Tornou-se evidente que a origem das dificuldades assenta ultimamente, e de modo decisivo, em hábitos e atitudes, em características culturais nossas de efeitos nocivos. Defeitos que no passado mais ou menos recente se entricheiraram em estruturas sociais e que agora resistem à mudança tanto organizadamente, através de grupos de defesa de interesses corporativos, como individualmente, pelo atrito desgastante, senão boicote activo, feito, de facto, por cada um, nas suas práticas quotidianas. Mas, se não se muda, só poderemos ir de mal a pior. Os desafios dos novos tempos e da concorrência não terão contemplações.
Há certamente grupos sociais que têm mais responsabilidade na manutenção destas formas displicentes de encarar a vida moderna, mas acusações rápidas e sem mais aos políticos e aos media são uma via demasiado fácil. Sem absolver estes e outros das suas culpas directas, um impasse de costumes e mentalidades, uma crise ética mais ou menos generalizada, têm a ver com todos.
A conversão ética precisa do esclarecimento intelectual, mas tem de chegar até à alteração de atitudes. Faz falta na sociedade portuguesa de hoje um exercício consistente de conversão, de profecia cívica. São necessários «profetas» de uma cidadania exigente, exemplos mobilizadores que acordem a comunidade social da inércia perigosa e a salvem de um impasse.