Alguns Pensamentos...

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segunda-feira, dezembro 04, 2006

Conversão e profecia cívica

Ultimamente, os discursos que dissecam a dada como provada crise de valores na sociedade portuguesa têm aparecido em todas as tribunas. Não há quem resista a propor mais uma perspectiva sobre a questão. Estamos em plena crise económica. Os números de anos recentes mostram o fracasso relativo do nosso esforço de desenvolvimento para alcançar as médias europeias, sobretudo em comparação com os resultados de outros países até há pouco em situação semelhante à nossa. E a isto ainda se veio juntar uma sucessão de escândalos públicos onde tudo parece concorrer para criar um sentimento de insucesso e de desgraça. Vive-se um clima depressivo de pouca confiança nas capacidades de Portugal e dos portugueses para saírem daquilo que parece ser um plano inclinado de degradação e de decadência.
Cada vez é mais claro que o salto qualitativo que desejamos não pode ser alcançado de modo fácil por meio de dinheiro, sempre mais dinheiro, para investimentos, subsídios ou modernizações técnicas. Nem se calhar é só através do instrumento legal das reformas económicas, sociais e políticas, mais ou menos estruturais, por mais que tudo isto seja indispensável e urgente, e cada uma dessas coisas continua a ser indispensável e urgente. Tornou-se evidente que a origem das dificuldades assenta ultimamente, e de modo decisivo, em hábitos e atitudes, em características culturais nossas de efeitos nocivos. Defeitos que no passado mais ou menos recente se entricheiraram em estruturas sociais e que agora resistem à mudança tanto organizadamente, através de grupos de defesa de interesses corporativos, como individualmente, pelo atrito desgastante, senão boicote activo, feito, de facto, por cada um, nas suas práticas quotidianas. Mas, se não se muda, só poderemos ir de mal a pior. Os desafios dos novos tempos e da concorrência não terão contemplações.
Há certamente grupos sociais que têm mais responsabilidade na manutenção destas formas displicentes de encarar a vida moderna, mas acusações rápidas e sem mais aos políticos e aos media são uma via demasiado fácil. Sem absolver estes e outros das suas culpas directas, um impasse de costumes e mentalidades, uma crise ética mais ou menos generalizada, têm a ver com todos.
A conversão ética precisa do esclarecimento intelectual, mas tem de chegar até à alteração de atitudes. Faz falta na sociedade portuguesa de hoje um exercício consistente de conversão, de profecia cívica. São necessários «profetas» de uma cidadania exigente, exemplos mobilizadores que acordem a comunidade social da inércia perigosa e a salvem de um impasse.