Alguns Pensamentos...

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quarta-feira, outubro 04, 2006

Poetizar

Se o poeta é um fingidor, finge tão completamente que chega a fingir que é dor a deveras sente; isso faz do poeta um hipócrita? Não, claro que não, um poeta não pode, nunca, ser hipócrita; a sua condição impede-o. Esta foi a resposta, imediata, que dei numa rápida conversa de esplanada. Foi Fernando Pessoa que escreveu, não foi, perguntaram, Foi, respondi. A acompanhar o delicioso e espontâneo debate, Manuel Freire cantava, Eles não sabem nem sonham que o sonho comanda a vida… – Pedra Filosofal, poema da autoria de António Gedeão.
Mas porque razão finge o poeta e porque finge o homem, a dor? Confesso que não sei; e talvez, mesmo correndo o risco de “blasfémia”, não concorde inteiramente com Pessoa. Não, enquanto poeta que não sou, mas sim, enquanto Homem que julgo ser. E no entanto a frase – se transcrita em prosa – ou a quadra – disposição em verso –, é de uma profundidade tamanha que nos obriga a pensar. Será que o poeta só consegue afirmar-se e cativar a audiência, quando transmite dor, dó e infelicidade? Será que o poeta não tem o direito de ser uma “pessoa normal”, sem desamores nem paixões proibidas, nem desgraças nem lágrimas derramadas nas pedras da calçada? O poeta é tão-somente, pessoa, ainda que Pessoa o caracterize de forma diferente; como fingidor dorido ou como fingidor fingido.
Ainda não percebi bem o que é ser poeta; tal como não compreendo o que é a boa e a má poesia. Sei que ser poeta é ser diferente; mas não uma diferença, necessariamente vagabunda, boémia ou marginal; nem, também, uma diferença necessariamente famosa, aristocrática, premiada e coroada de “Ámen”, apenas porque todos os outros dizem sim senhor.
A poesia, entendo eu, é uma forma de embelezamento do pensamento pensado e transcrito: nada mais do que isso! Aquilo que o poeta diz, escreve ou fala, são sensações que apenas para si, conferem verdadeiro significado, sendo irrelevante ou inadequada, qualquer forma ou tentativa de interpretação do seu pensamento – meras atitudes falsamente dogmáticas que se destinam ao fabrico de inverdades.
O poeta é um fingidor, É, Finge completamente, Finge, Sente dor, Sente! Mas no fundo, todos somos tudo isso: doridos, fingidores, fingidos e, porque não, poetas – para ser poeta basta viver e sentir enquanto tal, sabendo que esse sentir e esse tal, são aspectos que nenhum dos outros – de nós – tem o direito de definir. É por isso que julgo ridículo e puramente delirante, o facto dos “sábios” imporem aos comuns regras de interpretação e de significância acerca dos escritos que nos legaram. Mais ridículo ainda, é classificar a poesia como boa ou má, muita vezes – a maioria – tendo apenas por base o nome que figura no fim do texto: se nome da praça pública, todos batem palmas de contentes e abrem desmesuradamente os olhos perante os versos elaborados; se “sem nome” ou nome “anónimo”, todos permanecem indiferentes, rindo muitas vezes, escarnecendo, até, das linhas escrevinhadas. Eis aqui, também, os fingidores, e estes nem sequer sentem a dor ou fingem que são doridos.
A poesia vale aquilo que a entendermos como tal; assim como o autor que a poetizou; Não há – não devia haver – lugar a qualquer eleição de pódio – classificar a poesia ou impor-lhe interpretações, é um mero exercício retórico, pleno de afirmações convenientes.
Manuel Freire entoava, Sempre que o homem sonha, o mundo pula e avança… e aqui não há qualquer tipo de hipocrisia nem de fingimento da dor sentida.
O Sonho comanda a vida... saibamos sonhá-la, vivê-la e poetizá-la!