Alguns Pensamentos...

soalgunspensamentos@yahoo.com.br

quarta-feira, março 22, 2006

Reforma ou revolução?

Regularmente, há um mês, a França vive agitada por manifestações que são cada vez mais intensas. Na primeira linha, os estudantes, que protestam em manifestações espontâneas ou organizadas e que, na semana passada, já degeneraram em verdadeiras batalhas campais, juntando-se a centenas de milhares de trabalhadores.
O pretexto é o chamado Contrato Primeiro Emprego (CPE) que o Governo quer impor e ao abrigo do qual os empregadores poderão despedir, sem justa causa, jovens com menos de 26 anos, nos primeiros dois anos de trabalho. O pano de fundo é o de uma crise social profunda, cujos primeiros sinais já se fizeram ouvir em 2005, com a rejeição do Tratado Constitucional Europeu. E o perigo é aquele que 71% dos franceses apontam, segundo as últimas sondagens: que a crise se amplie e descambe numa verdadeira fractura social entre os que estão «dentro» e os que estão «fora».
Ninguém cede: nem o primeiro-ministro Dominique de Villepin, que não quer retirar o projecto, na expectativa do cansaço dos estudantes em véspera de férias da Páscoa; nem os trabalhadores, cujos sindicatos convocaram para 28 de Março nova manifestação de força; nem os estudantes, que bloqueiam dois terços das 84 universidades do país.
Villepin diz que não tem escolha e que o novo tipo de contrato se destina a criar mais empregos ambicionando a uma flexibilização do mercado de trabalho, para fazer face às condições do novo capitalismo que a globalização tornou mais selvagem. E que a rigidez das leis laborais em França - que torna muito difícil o despedimento e caras as contratações (o salário mínimo é de cerca de 1000 euros) - torna complexa e morosa a adaptação do mercado às novas condições.
O problema é que o mercado de trabalho é feito de pessoas. E se todos mais ou menos reconhecem que o trabalho tem de ser flexível, a vida não pode sê-lo. Pelo menos não pode ser «indexada» por um contrato de trabalho precário, sem qualquer rede de segurança, que permita ao jovem emancipar-se dos adultos e construir a sua própria vida. Segmentar o mercado de trabalho em «estáveis» e «precários» não parece ser a melhor solução - agravada ainda por cima com a falta de jeito do primeiro-ministro, que se recusou a falar com os parceiros sociais. Tal como dizia o sociólogo François Dubet ao jornal «Liberation», na verdade, o CPE institucionalizou a precariedade para todos. E os jovens tornaram-se a tal variável de ajustamento do mercado de trabalho. Compreende-se o fundo de angústia que atravessa a explosão dos protestos, da geração que percebe que vai viver pior que os seus pais.
Posto isto, qual é a saída? O problema que se vive hoje em França está longe de ser único. É um problema europeu, que afecta, em particular, países com sistemas de segurança social mais rígidos. É o problema da Alemanha, da Espanha, de Portugal, entre outros, em que os jovens cada vez mais instruídos e com mais capacidades, são lançados para um mercado de trabalho fechado e sem esperança.
A solução é acabar com o modelo social? Seguramente que não. Mas há que adaptá-lo, sob pena dele ruir por completo até porque na Europa há países onde o modelo funciona, como na Dinamarca ou na Suécia, não por acaso os de maior êxito económico. Onde foi possível introduzir flexibilidade nos empregos, mas acompanhada de um sistema sólido de protecção social - é a flexisegurança, como lhe chamam, que combina regras mais liberais de contratação e despedimento, com subsídios de desemprego generosos, uma procura activa de emprego e uma adequada formação profissional. Lá funciona. Por vezes, é melhor fazer uma reforma do que uma revolução...