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quarta-feira, março 15, 2006

A herança de Milosevic

Slobodan Milosevic morreu sábado, de ataque cardíaco, na sua cela de Haia, onde se encontrava desde Junho de 2001, sem ser sentenciado. Exige o politicamente correcto chamá-lo de «carniceiro dos Balcãs» (que foi), mas a verdade também manda dizer que não foi o único: nem foi o único instigador da morte de milhares de inocentes naquela região, nem o único que morreu sem conhecer o veredicto dos tribunais.
A imensa tragédia dos Balcãs não se poderia ter consumado apenas fruto da sua «obra» - se assim quisermos chamar a uma política cega e obstinada de fuga em frente, inspirada por um nacionalismo exacerbado e vontade de poder pessoal e que, aliada ao gangsterismo e ao que restou do comunismo, mergulhou a Sérvia num profundo problema. Houve outros responsáveis das guerras que ali se sucederam: Franjo Tudjman, da Croácia e Alia Izetbegovic, da Bósnia, morreram de morte natural e nunca foram indiciados por crimes de guerra, ficando do lado certo da história.
A verdade é que o antigo homem forte dos Balcãs acabou por perder, de facto, todas as guerras. Mas a herança que deixou - a desintegração da Jugoslávia alimentada pelo nacionalismo - está ainda por resolver, cinco anos após a sua saída do poder. Seja no Kosovo, cujo futuro estatuto se discute agora; seja no Montenegro, que já tem referendo marcado para Maio para se separar (ou não) da Sérvia; seja na Bósnia, esse particular Estado composto de duas entidades incapazes de se entender; seja ainda na Sérvia que, governada por uma frágil coligação minoritária de centristas, liberais e conservadores, depende frequentemente dos votos do que resta do Partido Socialista de Milosevic para se manter; seja ainda no próprio Tribunal de Haia, criado em 1993 para dar uma resposta internacional às violações de direitos humanos que ocorriam na ex-Jugoslávia desde 1991 e que assim perde um elemento-chave que, em parte, justificou a sua existência.
Mas pode ser que a sua morte seja, por fim, um ponto final e que permita aos sérvios enterrá-lo de vez. Será que Javier Solana, por dever do seu ofício de Alto Representante para a Política Externa e de Segurança Comum europeia, viu a luz ao fundo de um longo túnel quando disse: «que a Sérvia e o Montenegro encontrem agora a possibilidade de olhar para o futuro e deixar de olhar para trás»? A ver vamos.