Alguns Pensamentos...

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segunda-feira, dezembro 05, 2005

Voos secretos

A prisão de Augusto Pinochet no Chile, apesar da ironia da acusação de «fuga ao fisco», remete para a memória histórica da segunda metade do século XX, e tem uma carga simbólica que de alguma forma atinge também os serviços secretos norte-americanos, numa altura em que algumas actividades da CIA são tema recorrente na primeira linha da actualidade.
Confesso que não entendo a surpresa que alguns agora manifestam a propósito de «voos secretos», «raptos de suspeitos», «prisões escondidas» e mesmo acusações de suspeita de utilização de técnicas de interrogatório de prisioneiros que poderão violar a convenção de Genebra.
Desde os tempos da guerra fria, quando os «dois lados» aperfeiçoaram os serviços secretos para ganhar vantagem nos confrontos de bastidores ou nos cenários em que se combatiam por interpostos protagonistas - desde essa altura que se multiplicaram operações clandestinas. Por sinal, a CIA estava longe de conseguir a melhor reputação em termos de eficiência: perdia à distância, por exemplo, para ingleses e israelitas, enquanto que, no bloco soviético, surgiam episódios lendários como o guarda-chuva assassino dos agentes búlgaros. Os amantes de histórias de espiões tiveram nas livrarias obras em que dissidentes de vários serviços contavam, com pormenor, factos comprovativos de que a realidade não estava, muitas vezes, longe da ficção que alimenta a indústria do entretenimento.
Nas últimas semanas, desabaram sobre jornais de alguns países europeus elementos informativos sobre voos contratados pela CIA, suspeitos de transportar alegados terroristas, sem o conhecimento (pelo menos admitido em público...) das autoridades dos estados sobrevoados ou utilizados em escalas. A confirmarem-se os indícios, é mais um episódio de falta de cuidados e de incompetência da CIA. Quanto aos governos dos países envolvidos, fizeram o seu papel ao solicitarem explicações a Washington, uma atitude que cai bem nos respectivos eleitorados nesta conjuntura em que a popularidade da Administração Bush está nas ruas da amargura, dentro e fora de portas.
Pela minha parte, não tenho dúvidas de que a CIA, bem como outros serviços secretos, continuarão a violar regras básicas do Direito Internacional. Quando muito, os norte-americanos terão maiores cautelas, nos tempos mais próximos, em matéria de rotas aéreas e na escolha dos «países amigos» a sobrevoar ou a fazer escala.
Muito curioso é o facto de tudo isto ter remetido para segundo plano, na agenda da maioria dos media europeus, um outro tema, bem mais embaraçoso para Washington, e que também tem a ver com a CIA. Trata-se da identificação pública de uma agente, feita com a colaboração de jornalistas, casada com um diplomata que se recusou, nas vésperas da invasão do Iraque, a adaptar a realidade às conveniências da Administração. O caso, que se aproxima perigosamente da Casa Branca, levou já à demissão de um colaborador próximo do secretário da Defesa. Neste cenário, não há dúvidas de que Washington prefere que os media se ocupem com os «voos secretos» da CIA...