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quinta-feira, novembro 03, 2005

O sentido da vida

O sentido da vida não será “o problema central da filosofia” mas talvez faça sentido considerar que sempre permaneceu (e permanecerá) como pano de fundo de tantos e tantos outros problemas que suscitam a reflexão filosófica. É o caso do problema do cepticismo, do problema do bem, do problema da existência de Deus e do problema dos universais, como bem lembra Desidério Murcho na sua coluna “Vale a pena traduzir” no Público do passado sábado. Dir-se-á até que um posicionamento teoricamente mais sustentado sobre esta eterna questão do sentido da vida, muito dependerá do aprofundamento de cada um dos referidos problemas filosóficos, tão intimamente ligados se mostram à definição do nosso próprio modo de ser e, em última análise, de viver.
É precisamente do sentido da vida que nos fala John Cottingham no seu livro On the Meaning of Life, do qual, em boa hora, Desidério Murcho nos faz uma excelente apresentação crítica. Começando por notar que Cottingham “entende que uma vida religiosa é, pela sua prática, mais satisfatória do que uma vida não religiosa” e que “é a promessa de imortalidade que para o autor faz a diferença en­tre o sentido e a falta dele”, Desidério Murcho avança com uma dupla objecção que vai buscar aos consagrados filósofos Thomas Nagel e Bernard Williams. Segundo o primeiro, “se uma vida não tem sentido não é por ser eterna que o ganha, e se o tem não é por ser finita que o perde” enquanto que para o segundo, “uma vida com sentido poderá até perdê-lo caso se prolongue indefinidamente”. Convenhamos que, em termos estritamente racionais, não se vê como o argumento da promessa da imortalidade pode contribuir para a clarificação do problema do sentido da vida.
Mas é já na última página do seu livro que John Cottingham notoriamente claudica em termos argumentativos quando, a avaliar pelo excerto que nos traz Desidério Murcho, acaba por abandonar o primado da compreensão e desliza, digamos assim, para uma filosofia de auto-ajuda. É o que faz, por exemplo, ao defender que “por causa da fragilidade da condição humana, precisamos de mais do que da determinação racional para nos orientarmos para o bem. Precisamos de ser sustentados por uma fé na resistência do bem; precisamos de viver à luz da es­perança”. Precisamos, precisamos, precisamos – repete Cottingham, sem ao que parece, nem por uma vez explicar a razão de ser dessa necessidade. Mas não é, no mínimo, parodoxal que um filósofo para quem “só Deus poderá dar sentido à vida” se furte a uma explicação minimamente racional sobre como se chega a tão segura convicção? Mais: como chegar à ideia de que “só Deus poderá dar sentido à vida” sem primeiramente ter uma noção do que é o próprio “sentido da vida”?
Não está em causa, naturalmente, se as conclusões de Cottingham são verdadeiras ou falsas. O que está em causa é a gritante falta de legitimação racional para o que afirma. Por outras palavras, as suas conclusões podem até ser verdadeiras mas partem de premissas falsas ou perfeitamente questionáveis, quando não, ocultas. Nessa medida, nenhuma retórica pode aspirar a uma adesão racional do respectivo auditório. Daí que Desidério Murcho feche a sua apresentação deste modo muito certeiro: "Os filósofos ateus não ficarão persuadidos por este argumento [de Cottingham], objectando que se a religião é apenas uma espécie de cenoura para nos manter no caminho do bem, voltamos ao inaceitável Deus primitivo do castigo e da recompensa – estamos ao mesmo tempo a prostituir o bem, que deve ser praticado por si e não pela recompensa numa vida do além.”
Mas como é óbvio, nenhuma objecção ou controvérsia dispensa a leitura desta obra, antes pelo contrário.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Muito obrigado pelas suas amáveis palavras! Poderá ter interesse em ler o segundo capítulo do meu novo livro, "Pensar Outra Vez", no qual apresento uma reflexão sobre o sentido da vida. Penso que o livro estará à venda dentro de dias.

15:27  
Anonymous Anónimo said...

É um problema estruturante, prometo estar atento à sua reflexão e contribuir para a problemática através de alguns pensamentos.

22:46  

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